À MESA COM O INIMIGO

À MESA COM O INIMIGO

Gilson Volpato – 28/07/2021

 

Vamos partir do pressuposto de que todos querem o bem de algo. Vamos agora imaginar que esse algo pode ser para si próprio, para si e para outros, para si e para desfavorecidos, para desfavorecidos, para todos. Lógico que podemos pensar outras combinações, mas essas já são suficientes para o que quero dizer.

 

Imagine que por essas diferenças as pessoas comecem a se digladiar. Enfrentam-se, acusam-se, chegam a criar antagonismos que fecham vias de comunicação... resta apenas a batalha. Há o certo e o errado, apenas partindo do referencial inicial expresso no primeiro parágrafo. Portanto, voltamos à estaca zero.

 

Como resolver esse dilema? Não é fácil... isso é mais fácil de perceber! Mas tem um jeito. Sentar à mesma mesa para debater. Isso mesmo... é esse algo impossível, mas que não é impossível. Parte do pressuposto de que haja algumas coisas certas em cada uma das opções acima. Não precisa nem saber qual é a mais certa ou mais errada. Além disso, mesmo que uma seja 100% errada, cumprirá seu papel na dinâmica da solução.

 

Todos à mesa, mas com algumas regras. Todos devem entender, e mostrar que entenderam, o outro antes de emitir opiniões ou conclusões. Esse é o mais difícil, mas é o caminho. Sei também que muitos podem estar parando de ler o texto neste momento, pois estou falando de algo impossível.

 

Então vejamos: o que é impossível? Analise historicamente quais propostas foram impossíveis. Talvez elas apenas sejam deslocadas do momento adequado. Sim, é uma restrição. Afinal, ela passa a ser impossível naquele momento. É aí que quero chegar.

 

O que é impossível dependente de contextos e momentos pode não ser tão impossível assim. Já ouviram aquelas frases bonitinhas de que devemos construir o futuro que sonhamos. Eu mesmo já falei dessas coisas. Pois é... talvez seja hora de percebermos isso de forma mais prática.

 

O quadro traçado nos primeiros parágrafos parece impossível por questões conjunturais que todos conhecemos. Vem do dia a dia, da prática mais próxima que temos com o mundo. Mas e o sonho? O futuro já estaria preconcebido? Quem deseja e sonha com melhoras não pode aceitar o determinismo social. As teorias científicas nesse campo não determinam o futuro, mas explicam o que estamos fazendo e qual a tendência futura. E tendência pode ser mudada... essa é a boa nova. Exceto nas questões genéticas, as mudanças não são tão difíceis quanto podem parecer.

 

Agora começa a questão... minha percepção é que não há solução a curto prazo. Precisamos de tempo. Isso, há solução que pode começar a curto prazo. Infelizmente, estamos em momento em que o imediatismo impera. É o medo de se planejar para o futuro, pois temos que curtir o aqui e o agora. É a insatisfação com a vida, que enaltece o “sextou” e sacrifica a segunda-feira. Contexto complicado, mas é o que temos.

 

Para “o que” temos que preparar essa sociedade? Exatamente para a conversa entre extremos. Isso requer profundas reflexões já desde a pré-escola. Não se ensina como matéria escolar... se ensina pela prática cotidiana que transpire essa ausência de preconceitos. Não adianta apenas aprender Língua e Matemática. É preciso mudar o paradigma epistemológico. As noções de verdade, certeza e direitos precisam ser repensadas e discutidas, mas não dentro de paradigmas totalitários ou mesmo pós-modernistas. Sugiro paradigmas lógicos não contraditórios.

 

A primeira dificuldade é encontrar quem conduziria esse trem! Nossa academia de Ciência e as esferas da prática da Educação não estão preparadas. Os professores da pré-escola ao ensino médio não estão preparados. Os políticos nem sabem o que é isso. Há níveis de despreparos, pois alguns sequer têm consciência desse trem. Ter consciência já ajuda, mas não aparelha o suficiente. Não se trata de ensinar a ouvir os outros. É muito mais profundo do que isso. Se trata de cultivar o aprendizado nos opostos (veja vídeo de Margaret Heffernan - https://www.ted.com/talks/margaret_heffernan_dare_to_disagree, de julho de 2012 – Edinburgh, Escócia - TED).

 

Atualmente, percebo que o caminho traçado se assemelha mais às tentativas de imposição de caminhos preferidos, como pregações religiosas, do que a suposta ideia de que o caminho ainda deva ser descoberto, para o que o diálogo fora do âmbito dos iniciados é crucial. Como cientista, percebo que esse caminho pode parecer o próprio caminho da Ciência. Não confundam prática científica de muitos com Ciência. É necessário entender a história desse caminhar.

 

Não quero dizer que a Ciência tem o caminho... se o tivesse, já estaríamos bem melhor. Mas ela tem a essência desse pensamento de convívio com os opostos. Sim, eu sei, o meio acadêmico não mostra isso. Veja a evolução dos procedimentos científicos, conceituais ou metodológicos, e verá que, em meio a certos devaneios libertistas, há um traçado que busca incansavelmente limpar o caminhar de preconceitos, falácias e outros desvios de pensamento. Não me refiro à busca de um entendimento 100% objetivo. Não é isso. Trata-se de buscar concluir o que podemos concluir, dentro de um compromisso inequívoco com a honestidade intelectual. Se percebemos erros, buscamos a correção, mesmo que ela se mostre equivocada no futuro e nova correção ocorra e assim sucessivamente. Um sistema crítico como esse não garante verdade, mas busca se corrigir. Entendo que nem mesmo a vasta maioria dos cientistas ou pesquisadores faz isso (vivendo quase 50 anos dentro da academia científica, não consegui ainda mudar essa percepção).

 

Não, não estou achando que devemos formar perto de 8 bilhões de cientistas. Devemos apenas reduzir a defasagem do pensamento lógico em relação ao pensamento ilógico. Devemos reduzir quaisquer tipos de preconceitos e não apenas aqueles estigmatizados como sendo os prioritários (pois aí criamos o preconceito dentro dos preconceitos). Livrar-se de preconceitos é buscar a ausência de suas raízes e não apenas lutar contra as evidências imediatas. Não basta eliminar a febre, pois temos que eliminar a infecção. Esse é o caminho histórico e lógico. Para isso é preciso pensamento arrojado, sem pressa, mas com determinação para resolver questões. Talvez quem comece não veja o fim. É ser forte para enfrentar o desafio de plantar a árvore da qual não veremos o prazer da sombra e dos frutos. E as gerações mais modernas não me parecem preparadas para isso.

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