MUNDO INSANO... E A CIÊNCIA

MUNDO INSANO... E A CIÊNCIA

Gilson L. Volpato - 25/07/2021

 

A ira entre pessoas é tão insana, que chegam a mentir sobre os que odeiam, a deturpar fatos notórios… se convencem de que possuem a verdade da situação, se consideram messias de uma população ou de toda a humanidade!

Uma das causas do fanatismo e dogmatismo é a crença de possuir a verdade! Isso decorre de falta de crítica e autoconfiança exageradas. Acredito que a instabilidade com o desconhecido seja outra variável desse sistema.

Há pessoas que se estimulam em conhecer aquilo que descobrem não conhecer. Outras, porém, ficam tão perturbadas que se afundam nas primeiras alternativas que não conseguem descartar. Se afundam a tal ponto que deixam de perceber quaisquer outras possibilidades. O dogmatismo predomina e o mundo se fecha.

Essas questões ficam arraigadas nas profundezes do cérebro (chamem de inconsciente, se assim desejarem). Não é insano imaginar que tais ideias arraigadas interfiram em outras ideias.

Quanto mais alimentamos nossas crenças, mais chance têm de se espalharem no pano de fundo de nossos sistemas explicativos. Isso, gradativamente, deve tolher percepções contrárias, criando sistemas reforçadores que levam a dogmatismos. Quando o tema foge de questões mais objetivas, susceptíveis a fatos, a situação piora exponencialmente.

 

O que isso tem a ver com ciência?

Acredito que explique todo o trabalho necessário da metodologia científica em buscar sistemas de detecção e correção de desvios interpretativos inadmissíveis. Seu referencial? A lógica básica, aquela que sustentou e sustenta todo pensamento racional, desde suas origens conhecidas, da Filosofia à ciência.

Algumas mudanças conceituais na ciência requerem incorporação dos conceitos a ponto de guiarem outras ideias de forma automática. Alguma semelhança com o dogmatismo e o fanatismo aludido no início deste texto? Sim e não!

“Sim” porque depende de incorporações conceituais do que se acredita. “Não” porque o sistema científico inclui o pressuposto da busca de maior objetividade sobre fatos envolvidos nos ambientes a serem considerados em cada produção de conhecimento. Isso significa: na contradição entre “fatos” e “explicações”, muda-se as explicações. Esse é um diferencial valiosíssimo do discurso científico. E mais, os fatos não são pessoais; devem obrigatoriamente ser interpessoais. Apenas esses dois “detalhes” já explicam a robustez do pensamento científico. Ao invés da ciência repousar sobre sistemas verificacionistas, deslocou-se para enaltecer a crítica constante.

Por mais que saibamos que a confirmação de hipóteses seja muito mais precária que sua negação, nas entrelinhas dos discursos na academia científica o verificacionismo ainda prevalece, ou se mantém em níveis ainda inconcebíveis.

Porém, essa última mudança de referencial teórico sobre o fazer ciência não é algo fácil. Por mais que seja válido logica e metodologicamente, sua incorporação no dia a dia do cientista requer uma conversão interna sobre essa nova percepção. Requer que desejemos derrubar nossas hipóteses. Parece contraditório, pois selecionamos exatamente as hipóteses mais prováveis e ainda inovadoras! Esse é o ponto de toque da mudança conceitual!

Exatamente porque o cientista encontrou uma explicação que lhe parece a grande alternativa é que ele tentará derrubá-la. Se não conseguir, terá maior chance de estar errando menos. O pressuposto básico é: tente honestamente derrubar suas ideias. Porém, apesar da lógica razoável desse pressuposto, ainda é possível que essa busca pela negação da própria hipótese se torne igualmente insana, dogmática, fanática.

É nesse ponto que tenho gerido uma mudança de foco. Divirta-se com suas hipóteses... elas devem ser desconcertantes, interessantes, novas e não contraditórias com o que não consegue derrubar no momento. Porém, foque no teste. Você não quer confirma-la e nem derrubá-la... quer apenas fazer o melhor teste possível no momento. Não aplaudirá testes que percebe serem ainda incompletos. Focará nos melhores testes. Não torcerá pela sua hipótese preferida, exatamente para não comprometer um teste adequado.

Quando o foco recai no teste, a metodologia científica passa a ganhar mais força. É ela que está no controle da qualidade dos procedimentos científicos. Não é apenas metodológica; é também epistemológica e comunicacional. Ou seja, envolve desde o planejamento intelectual da pesquisa, até sua execução factual, englobando também as apostas intelectuais para expressar conclusões e o discurso final no texto publicado.

Assim, um cientista deveria buscar os testes mais robustos para suas hipóteses. Isso não significa aumentar a chance de negar possibilidades reais, mas robustos suficientes para que evitar aplausos a ideias equivocadas. É uma questão tênue, pois ficamos numa gangorra entre facilitar a aprovação e ou a negação. Por isso o teste, sendo prioritário, trará um pouco mais de isenção no processo. Na atualidade, a revista PLoS ONE já tem sugerido que os cientistas submetam a ela projetos de pesquisa que, se aprovados e seguidos rigorosamente na execução, garantirão a aprovação do artigo. Isso faz todo o sentido, desde que os cientistas saibam elaborar objetivos.

De um lado, os cientistas propõem hipóteses. Uma vez com elas, a tarefa será testá-las adequadamente. Com as evidências do estudo, elas poderão ser negadas, ou não. Assim, sejam quais forem os resultados, o estudo será conclusivo. Não existe esse tal de “meu projeto deu errado porque minha hipótese foi negada”; reflete apenas incapacidade científica.

De outro lado, os cientistas caracterizam coisas (variáveis) do mundo. Neste caso, o comum é não preciso possuir hipóteses. Basta registrar evidências e, posteriormente, identificar quais caracterizam o que se queria caracterizar. Hipóteses, nessa resposta macro, não fazem sentido metodológico.

Assim entendemos o papel dos projetos de pesquisa na vida de cientistas e da própria ciência. Se temos hipóteses, as testamos. O que der de resultado, aceitamos até que se provem o contrário. Se não precisamos de hipóteses, apenas coletamos dados dentro dos eixos principais do tema e depois brincamos de quebra-cabeça tentando encontrar alguma ordem que caracterize o que desejamos caracterizar.

Essa é a estrutura básica de qualquer pesquisa científica. E as teóricas? Igualmente... apenas que os dados podem surgir anos, décadas ou séculos depois.

Por isso reforço neste texto... a vontade de que o mundo seja como queremos pode nos afastar da compreensão desse mundo. A honestidade intelectual reside exatamente em buscar explicações, mesmo que desafiem nossas maiores verdades. Jogue isso na vida cotidiana e perceberá com facilidade a ligação deste detalhe metodológico com o início deste texto.

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