PROPOSTAS PARA DEFESA DE TESE

PROPOSTAS PARA DEFESA DE TESE

Gilson L. Volpato – igvec.com

Publicado originalmente no LinkedIn em 25/01/2021.

 

Neste artigo trato da Pós-graduação stricto sensu (PG), considerando que sua principal preocupação seja a formação de cientistas. Mais ainda, como é cuidada pela CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior, o foco deve mesmo ser na formação de pessoas e não na produção de ciência (tal produção, embora ocorra, deve ser mais meio do que fim). A produção de ciência caberia, mais especificamente, ao CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Embora a integração entre esses dois órgãos seja óbvia, o foco do doutorado na formação do cientista é responsabilidade da CAPES.

Embora essa PG possua vários elementos, tratarei mais especificamente da defesa de tese (DT), que é exatamente o ponto final para receber o título de Doutor. Como ponto avaliador final, a DT tem efeito estruturador em todo o sistema da PG. Afinal, na prática tudo converge para a DT, queiramos ou não.

Sistemas de avaliação têm esse papel estruturador. Vejam o que os vestibulares fizeram com o ensino médio. Isso não é nem certo, nem errado... é uma possibilidade para mexer no sistema. Percebo que os(as) alunos(as) se preocupam mais com a DT do que com a própria formação científica. E o mesmo que ocorre, em muitos casos, nas provas em disciplinas de nosso sistema educacional.

Aqui apresentarei algumas propostas pontuais sobre a DT, em tópicos. Uma reestruturação mais completa de todo o sistema da pós-graduação, embora eu já a tenha esboçado, não caberia neste curto espaço. Porém, atentem-se para o papel estruturador da DT. Não considero que a DT deva ser a única avaliação e nem que o exame de qualificação contorne essa lacuna. Porém, exigir uma reformulação global de nossa PG soaria aos possuidores de cargos estratégicos algo prepotente e politicamente inconcebível. Assim, me limito ao trivial.

Para minha proposta, devo esclarecer como deve ser conduzida a formação de cientistas no mundo moderno. Uma parte dessa formação visa a capacidade de propor e realizar pesquisa científica, construindo ciência a partir disso. Para isso, o pano de fundo conceitual se resume em 6 áreas específicas e 1 prática: Lógica, Filosofia da Ciência, Epistemologia, Ética, Metodologia Científica e Comunicação; e a prática de debate pelas publicações em nível internacional. Esta primeira parte, na prática, fica então dividida em conhecimento da pesquisa na especialidade, capacidade de publicação em nível internacional e conhecimento das bases teóricas de ciência. Outra parte é o desenvolvimento da mentalidade científica em sentido mais amplo, o que inclui conhecimentos básicos em várias outras áreas do conhecimento humano, desde História da Arte até Políticas Científicas, bem como condutas sociais condizentes com pressupostos da ciência.

Por fim, vale ressaltar que a ciência visa produzir conhecimento científico a partir de pesquisas, locais ou em laboratórios, estudando variáveis qualitativas e quantitativas. A partir do conhecimento gerado, a ciência propicia à sociedade a duas grandes ações: Educação e Tecnologia. Essas duas ações são os braços da ciência para a sociedade. Mesmo que eles interajam entre si e com a ciência, o conhecimento científico é a matéria prima sine qua non desse sistema; daí a importância ímpar da ciência. Vamos então às propostas pontuais.

 

1. A tese não deve ficar publicada na Internet. Espera-se que haja publicação em formatos de artigos científicos ou livros, todos disponibilizados para leitura em veículos científicos de ótimo nível. A colocação de teses na internet tem trazido para alguns a despreocupação com a publicação científica, esquecendo-se que essa exposição da tese não substitui a publicação em revistas científicas ou livros condizentes. Achar que essa publicação atende à democratização do conhecimento científico é assumir erro conceitual sobre o processo de produção do conhecimento científico e a forma como a ciência atua na sociedade. Pior, as boas revistas científicas não aceitam artigos cujos materiais já estejam disponibilizados na internet; soube de negação de artigo exatamente por causa dessa exposição da tese, alegando que a informação não é inédita (i.e., estava publicada como tese na internet). Quando a tese está escrita em inglês, o que é necessário para incluirmos examinadores(as) do exterior, a situação fica ainda mais complicada. Se ela for apenas depositada numa biblioteca, fica mais próxima de um documento oficial da instituição necessário para a DT, embora ainda possa ser vista por certo número de cientistas (melhor seria arquivar em processo administrativo, exigindo a posterior publicação científica). O item 2, a seguir, complementa este entendimento.

2. A DT é um ato público. Aqui minha proposta é que a melhor forma de manter isso seja gravando as sessões de DT que, após editadas, ficarão na internet para disponibilizar os pontos centrais da sessão (apresentação do trabalho, perguntas & respostas, conceitos atribuídos por cada examinador(a) e justificativas para o conceito final – de aprovação ou reprovação). Notem que a DT é um momento marcante para o(a) examinado(a) e, muitas vezes, um evento significativo para os que assistem. A exposição pública regulará, de certa forma, certas falas inconsequentes que mostram apenas despreparo científico de examinadores(as) e examinados(as). É também a melhor forma de o(a) aluno(a) ter chance de mostrar seu potencial científico em concursos e outras oportunidades. A DT é um ato em que o examinado(a) mostra várias facetas de sua formação científica, de acordo com a condução que a banca examinadora impinge na arguição.

3. Examinados(as) não podem definir banca examinadora. Assim, aluno(a) e orientador(a) não devem opinar nessa escolha. Igualmente, orientador(a) e coorientadores(as) não podem ser examinadores(as). Porém, como conciliar isso com a escolha de cientistas de bom nível na especialidade da tese? Uma forma intermediária é que alunos(as) e orientadores(as) possam sugerir nomes numa lista maior do que aquela que a Coordenação da PG deverá aprovar. Sendo essa lista apresentada em ordem alfabética dos nomes, incluindo suas especialidades, afiliações e contato, a Coordenação terá maior flexibilidade para escolha. Essa Coordenação poderá até incluir pessoas não presentes na lista, mas que sejam academicamente justificáveis. Obviamente, por razões maiores, orientador(a) e aluno(a) podem solicitar exclusão, devidamente justificada, de algum(ns) nome(s) externo(s) à lista encaminhada, pois a prática nos revela que dissabores reais podem existir entre profissionais, o que também poderia enviesar a análise.

4. A banca examinadora deve avaliar na DT dois aspectos centrais da formação do(a) aluno(a). A capacidade específica na especialidade e na ciência. A primeira será julgada por especialistas da área para saber se o(a) examinado(a) tem conhecimentos teóricos e práticos suficientes a essa especialidade. A segunda envolve duas etapas: a capacidade de fazer pesquisa, mesmo que no tocante aos aspectos da especialidade; e a capacidade de produção de ciência e entendimento das bases conceituais desse processo. Como o sistema seria filmado e disponibilizado na internet (item 2 acima), os resultados dessas avaliações deveriam ser expressos por notas. Todos esses quesitos, desde que fossem focados na DT, serviriam de direcionadores e motivadores para os(as) alunos(as) da PG estudarem o processo de fazer ciência de forma mais global, exatamente num período em que a dedicação à própria formação científica deve ser impositiva. Veja que a PG é ainda uma escola formal visando a formação dos(as) alunos(as). Na vida profissional zelam por si só a continuidade de sua formação científica.

5. Toda avaliação fica, necessariamente, presa aos conceitos dos(as) examinadores(as). Embora na ciência tais conceitos não sejam difusos como alegraria a inconsistência de alguns, nem todo(a) cientista examinador(a) vem de um cenário científico mais amplo. Nesse ponto, a viabilização do pressuposto no item 4 requer que os(as) examinadores(as) possam ser trazidos para avaliação de setores específicos da análise mais global do(a) examinado(a). Assim, alguns examinariam detalhes da tese desenvolvida, outros poderiam avaliar a capacidade mais geral dos(as) alunos(as) sobre o processo de ciência. Aqui eu assumo que, no caso da carreira universitária, outros elementos importantes para a formação de cientistas devam ser avaliados anteriormente à DT (não explicitarei esse sistema neste texto, para não o tornar ainda mais longo). Porém, uma aparente incongruência eu devo responder. Se um(a) cientista da banca pode não ser apropriado(a) para examinar tudo o que o(a) aluno(a) deveria saber, por que esperar que esse(a) aluno(a) saiba tudo isso? Note que temos uma situação formadora de cientistas e minha proposta vem no sentido de mudar o rumo. A proposta é sairmos da formação puramente do(a) ultra especialista e começarmos a produzir pessoas de visão mais ampla, na percepção de que essa visão melhor direciona decisões gerais e específicas, bem como melhor aparelha os(as) cientistas para elaboração de teorias mais amplas, bem como permite que tais profissionais se aproximem mais de condutas éticas e de maior valor humano. O próprio desenvolvimento das sociedades humanas nos últimos 30 anos nos tem mostrado as vantagens de pensamentos mais globais, inclusive para soluções de questões pontuais. Como cientista e educador, entendo que esse perfil será aquele do profissional que faltará nas próximas décadas. Assim, não posso me ater a direcionar formação de pessoas para reproduzirem desvios epistemológicos e éticos que só tendem a aumentar. Nem posso exigir que nossos(as) orientadores(as) tenham com qualidade aquilo para o qual não foram formados.

6. Na DT, o(a) examinado(a) deveria ser submetido(a) a duas avaliações: a) capacidade específica de pesquisa científica na especialidade; b) capacidade de entendimento de ciência. Afinal, o título não é de especialista, mas de Doutor numa área mais ampla que a sua especialidade. Caberia à banca justificar, ao final, porque do perfil obtido nesses dois setores o(a) examinado(a) merece, ou não merece, o título de Doutor na área proposta (como suposto no item 2 acima).

7. Para que a avaliação neste sistema não recaia apenas num único lado, o perfil dos(as) orientadores(as) na PG deveria contemplar em seu currículo sua capacidade de produzir cientistas com aprovações de bom nível, incluindo métricas sobre notas obtidas pelos seus orientandos, envolvendo desde aprovações até reprovações. Tais desempenhos dos(as) orientadores(as) devem necessariamente refletir na distribuição de vagas para cada orientador(a) e em sua permanência ou não na PG. Isso é fundamental, pois a partir disso o sistema facilita o desenvolvimento de melhor relação entre orientadores(as) e alunos(as), pois ambos(as) estarão, direta ou indiretamente, submetidos ao mesmo sistema de avaliação. O(A) aluno(a) passa a ser, em certa medida, a “voz” do(a) orientador(a); isso definirá o interesse de ambos(as) na boa performance do(a) aluno(a).

8. Finalmente, uma mudança necessária que melhoraria muito esta proposta é a eliminação de prazo para a DT. Esta proposta já vi expressa pelo Dr. José Goldemberg, ex-presidente da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), e aqui incorporarei sua essência. A ideia básica, que existe em alguns outros países (por ex., Inglaterra), é eliminar o prazo para concluir o doutoramento. Obviamente, isso não se aplica a prazos de bolsas de estudo. Com essa liberdade não precisamos sacrificar qualidade do trabalho científico ou da formação do(a) doutorando(a) devido a atrasos no desenvolvimento da pesquisa ou estudo do(a) aluno(a). Defenderá a tese quando estiver pronto(a). Hoje, para evitar perda do doutoramento, muitos sacrificam a qualidade da pesquisa; isso poderia ser evitado não havendo esse deadline cabalístico. Evidentemente, nenhum(a) pós-graduando(a) preferirá levar muitos anos para a defesa, pois dela depende liberdade para algumas ações importantes na vida profissional. Esta proposta considera também que o objetivo não é formar muitos, mas formar pessoas de boa qualidade científica que possam ser importantes e necessários para a ciência e para a humanidade. Por isso também temos que entender o sistema formador de cientistas com certa independência em relação ao sistema de produção de ciência no país. Forme cientistas de boa qualidade e eles(as) terão toda a vida profissional para produzirem ciência de alta qualidade.

 

É evidente que, a partir dessas propostas, várias conduções da CAPES sobre a PG deveriam ser reajustadas. Afinal, o balizador mestre são os critérios da CAPES para avaliar os programas, assim implicando nas prioridades para formação dos(as) nossos(as) cientistas. Os 8 pontos definidos acima podem ser facilmente deduzidos para critérios de valorização dos programas, caso a intenção na CAPES seja formar cientistas dentro desta perspectiva.

 

Sugestões para Leitura Complementar:

Volpato GL. 2017. Ciência Além da Visibilidade: ciência, formação de cientistas e boas práticas. Editora Best Writing, 2017. [LINK]

Volpato GL. 2020. Scientific Methodology through the looking glass. Revista de Sistemas de Informação da FSMA 26: 51-61, 2020. [LINK]

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